A descoberta
Eles
se conheceram na infância. Moravam próximos e brincavam juntos todas as tardes.
Matilde era uma menina linda, adorava usar vestidinhos rosa e não saia de casa
sem seu laço vermelho no cabelo. Joaquim, carinhosamente apelidado por Matilde
de Joca, era muito sapeca, andava na rua e só tomava banho à noite. Cresceram
juntos, choraram juntos, descobriram o mundo, suas bondades e maldades juntos.
Certo
dia, já crescidos, com seus treze aninhos, confessaram algo enquanto brincavam:
–
Eu quero falar uma coisa – disse Matilde.
–
Há dias que quero falar uma coisa para você também – falou Joca.
–
Pois diga logo – desatou Matilde.
–
Não, quero escutar você primeiro – disparou Joca.
–
Eu quero ouvir logo você! Me deixou curiosa – rebateu ela.
–
Não quero falar logo! – disse ele quase irritado.
–
Dá para parar com essa besteira e falar logo isso? Se você não falar, eu não
falarei – gritou Matilde.
Joaquim
ficou meio sem jeito, mas percebeu que não lhe restara alternativa a não ser
falar logo para ela o que sentia. Disse timidamente:
–
Matilde, conheço você há muito tempo, gosto muito de você. Só que de uns dias
para cá gosto ainda mais de você. Não sei como te explicar, mas é um gostar
diferente de quando gostava de você quando tínhamos nossos quatro anos. Gosto
querendo te proteger. Gosto querendo te abraçar. Gosto querendo cuidar de você.
Gosto guardando seu perfume. Gosto fazendo você sorrir. Gosto de ti mais que
tudo.
Matilde
corou e suas bochechas estavam da cor de seu laço. Sempre se mostrara menos
tímida e mais resolvida que Joca, mas naquele momento não sabia o que fazer.
Olhou nos olhos dele, colocou os cabelos atrás das orelhas, sorriu primeiro com
os olhos, depois com a boca e falou:
–
Estou sem palavras. Acredita que o que tinha para te falar era sobre isso?
Também estou gostando diferente de você. Gosto de te ver sendo bobo. Gosto de
tuas tentativas de me agradar. Gosto do teu jeito. Gosto do jeito que me olha.
Joaquim ficou
vermelho, bem vermelho, quase escarlate, eu diria. Estava tão feliz que parecia
ter ganhado asas. Era leve. O corpo não pesava. Não sentia a respiração.
Ninguém mais existia a não ser eles dois. O mundo era alegre. Ele estava bobo.
Voava, voava, até que...
–
Você está bem, Joca? – perguntou Matilde.
–
Oh, estou. Está tudo bem, tudo bem, tudo mesmo.
Joaquim
recuperou o fôlego, continuou sorrindo e acrescentou:
–
O que você acabou de falar é mesmo verdade?
Matilde
sorriu e balançou a cabeça afirmativamente.
Joaquim
retribuiu o sorriso, olhou nos olhos dela, aproximou sua face até que um
pudesse sentir a respiração do outro, fechou os olhos e encostou os lábios nos
dela. Ela aceitou os lábios dele prontamente. Trocaram um selinho. Aquilo foi
indescritível para os dois.
Depois
da descoberta e do selinho, os dois, felizes, muito felizes, se despediram e
foram para casa, pois já era tarde. A noite já vinha chegando.
No
dia seguinte brincaram novamente, beijaram-se novamente e gostaram-se
novamente.
No
ano seguinte brincarem novamente, beijaram-se novamente e gostaram-se
novamente.
Nos
seis anos seguintes cresceram mais, beijaram-se mais, descobriram-se mais e
começaram a namorar sério com o consentimento da família.
Nos
dezoitos anos seguintes amaram-se, casaram-se, tiveram dois filhos, um menino e
uma menina, passaram por sérias dificuldades financeiras, perderam os pais, mas
não deixaram de amar. O amor curou. O amor resolveu. O amor eternizou momentos,
apaziguou ânimos, acalmou almas e solidificou a relação.
Nos dias de hoje
vivem velhinhos, dividem a bengala e o mingau. Sentam-se na calçada e
pacientemente veem a vida passar. Adoram mimar os netos e servem de exemplo
para todos de que o amor é possível. Provam que por mais que o mundo gire, as
mentalidades mudem, as atitudes tornem-se traiçoeiras, as pessoas tornem-se
menos confiáveis, o amor ainda é a solução. Ele quebra e repara. Destrói e
constrói. Envelhece e rejuvenesce. Finda e continua.