Um feliz aniversário
Estava
sentado naquela dura cadeira da recepção do hospital em um domingo angustiante
aguardando notícias de meu amiguinho Gabriel, que se encontrava na U. T. I. De
repente, uma ambulância chegou. Aquilo roubou temporariamente meu olhar e minha
atenção. Dela saiu em uma maca uma linda menininha da mesma faixa etária que
Gabriel. Loirinha e pálida deveria ter vindo de uma festa de aniversário direto
para o hospital – um chapéu colorido em formato de cone e um vermelho nariz de
palhaço pendurados em sua mão justificam minha hipótese. Atrás dos enfermeiros
corria uma mulher desmanchando-se em lágrimas que não pôde ir para o centro
cirúrgico e teve de ficar na recepção. Sentou-se ao meu lado e pôs-se a chorar.
Olhei-a timidamente e ofereci um copo d’água. Ela aceitou e quando deu o último
gole resolvi interagir:
–
O que aconteceu? Aquela é sua filha?
–
Sim, aquela é minha única filha. Era o aniversário dela... minha Isabela
completava seus doze anos até que... até que... – respirou fundo e novamente
seu rosto cobria-se de lágrimas – ela passou mal, muito mal.
–
E ela já tem algum problema?
–
Sim, ela tem insuficiência cardíaca. Ela já teve algumas crises, mas a de hoje
nem se compara as outras. A de hoje foi muito forte mesmo! Os médicos já haviam
me dito que a solução para o problema dela seria o transplante de um novo
coração, mas é muito difícil. Ela é a primeira da fila para o caso de aparecer
um transplante, mas eu não conto muito com isso. É muito difícil encontrar
alguém que seja um doador no Brasil, um país repleto de seres humanos egoístas,
mentirosos e hipócritas.
Concordei
com sua fala e continuamos, pois, sentados ali. Rezando e sem receber nenhuma
informação. Cabisbaixos, tentando alimentar os melhores pensamentos, mas assumo
que estava difícil. Os ponteiros do relógio giravam e com eles meu estômago
girava junto. Unhas? Eu não tinha mais.
Minha
aflição diminuiu quando vi o médico caminhar em minha direção. A mãe de
Gabriel, D. Zélia, que estava algumas cadeiras distantes de mim e mais aflita e
desesperada, veio correndo. O médico chegou. Sua cara não era animadora.
–
Vocês estão acompanhando o Gabriel?
–
Sim! – respondemos uníssonos.
–
Nós fizemos vários procedimentos, tentamos de tudo para reanimá-lo, mas
infelizmente Gabriel teve morte cerebral.
O
médico nem concluiu sua fala e D. Zélia caiu de joelhos gritando aos prantos.
Pedia para que trouxessem seu filho de volta. Eu? Meu rosto se desmanchava em
lágrimas e eu nem havia me dado conta. Tentava limpar e ser forte, mas a dor era
grande demais. As lágrimas descontroladamente rolavam, mas tive de me conter
para ouvir o que o médico ainda ia falar. Ele chamou a mãe de Isabela para
junto de nós e disse:
–
Seu filho se foi, D. Zélia, mas não fique triste, pois ele evitou que
tivéssemos duas crianças mortas em uma única noite. Graças ao seu ato de tornar
todos os membros de sua família doadores de órgãos, Gabriel salvou a vida de
Isabela doando seu coraçãozinho para ela – nesse momento o médico apoiou a mão
no ombro da mãe de Isabela e soltou um sorriso comportado.
D.
Zélia recompôs-se e foi fortemente abraçada pela mulher que teve a filha salva
por Gabriel. Limpando suas lágrimas ela disse:
–
Eu posso apenas imaginar a dor que você deve estar sentindo, mas quero que
saiba que eu e minha filha seremos eternamente gratas a você e ao seu filho.
Ele, um desconhecido, que nem convidado para o aniversário dela fora, deu o
melhor presente de todos: a vida.
D.
Zélia confirmou com a cabeça e veio me abraçar. Nesse momento, já controlado e
conformado, sussurrei ao seu ouvido: “não fique triste. Ele pode ter falecido,
mas seu coração ainda pulsa, e com certeza, pulsará muito mais. Pulsará sonhos,
alegrias, conquistas, enfim, uma nova vida.”
Ela
concordou comigo, limpou as lágrimas e juntos sentamos, bebemos água e ficamos
esperando para vermos como estava Isabela. Particularmente, estava doido para
ver aquela face pura sorrir cheia de vida e trazer um pouco de alegria para a
segunda-feira que se aproximava.
2 comentários:
Mais um belo texto, que traz uma nova história, agora lendo mim venho na cabeça um milhão de lembranças, a lembrança de meu pai no corredor de um hospital e todas as senas tristes que acabei vendo.Meu amigo que linda história comovente que traz um final feliz,acredito que essas duas famílias ficaram muito felizes, sei que existe muitas famílias que precisam de doações e infelizmente são poucas as pessoas que tem noção do quanto uma simples doação pode salvar uma vida, fez bem você abordar esse assunto, parabéns por mais uma bela história.
Muito obrigado, Edimara, pelo carinho de sempre.
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