quarta-feira, 2 de novembro de 2016

O fim do começo


A vida de Alex fluía por entre os dedos de Joana. Ela sentia o sangue quente de seu amante escorrer por seu braço. Aquilo lhe dava prazer. Ela se lambuzava com o líquido escarlate e por entre as pernas descia o prazer. Joana gargalhava e já estava tonta com o cheiro de vida ultrapassada. Mas ela queria satisfazer-se com tudo o que sobrara de Alex. Esperneou-se na poça de sangue, molhou a nuca e os cabelos. Por fim, bebeu aquele sangue todo. Para que o cadáver ficasse limpinho ela passou a língua por completo em todas as partes de Alex. Enfim ela havia conseguido, fora a última a se deitar com Alex. Ela se sentia extasiada por isso. Era o fim daquilo tudo.
O quarto estava abafado. Joana levantou-se e vestiu-se. Tirou a calcinha vermelha e socou-a goela abaixo em Alex. Delicadamente se virou para a cama e alisou a colcha vermelha eliminando os amassados. Ajoelhou-se na frente do corpo, sustentou-o em seus braços brancos e delicados e o colocou sobre a cama. Beijou a testa do morto, que já estava congelada, e saiu tranquilamente do quarto.
Enquanto descia a escada elegantemente, lembrava o quanto tinha sido feliz com Alex. Lembrou-se da primeira vez que tinha o visto há dois anos. Era um homem branco, alto, corpulento e viril. Quando o viu o sangue ferveu.  Seu útero pulou. Queria ser fertilizada, na verdade estava mais que na hora de ser fertilizada, já tinha trinta e oito anos.
O restaurante estava um pouco movimentado e ela tinha vindo acompanhar a irmã num encontro amoroso marcado por telefone. Ela não fazia ideia de quem era o homem por quem Lívia suspirava. Continuou olhando para Alex e para sua surpresa ele estava vindo em direção à mesa das duas. Ele chegou. Sorriu para Joana, mas foi beijar a mão de Lívia. Joana congelou. Seu útero agora se esvaia com tamanha decepção. O homem por quem ela havia se interessado era o amado de sua irmã. Ela tomou o restante de suco que tinha no copo e saiu deixando os dois a sós.
Terminou de descer a escada e sorria ao relembrar que a irmã fora traída antes mesmo de se casar com Alex. Na noite que antecedia o casamento de Lívia, Joana vestiu uma calcinha vermelha – a mesma que ela enfiou goela abaixo no corpo frio e sem vida – e um sutiã preto, acomodou em seu corpo um vestido que marcava suas curvas e foi até o endereço de Alex. Ao chegar lá não precisou ter muito trabalho, pois ele não cedeu, a satisfaz na hora; no chão e sem puder algum.
Dirigiu-se a cozinha para preparar um suco e enquanto terminava de lamber o sangue que tinha coalhado em seus lábios lembrava de como fora melhor ainda viver às escondidas com Alex depois que ele havia casado com a irmã. Como moravam na mesma casa, no momento em que Lívia não estava em casa ela aproveitava. Seu maior desejo era ser fertilizada por aquele homem – desejo que ela conservou até hoje. Mas ele não deixava, sempre se protegia. Ela se irritou com isso e cansou de ser objeto sexual secundário daquele nojento e resolveu matá-lo. Agora estava com a alma lavada. Contudo, antes de matá-lo o fez fecundá-la, agora ela era verdadeiramente mulher. Estava renovada. Seu útero fervia. Era como uma fábrica abandonada há anos que voltava a funcionar. As máquinas trabalhavam, as chaminés esquentavam e eliminavam fumaça purificadora por todo o íntimo escuro e gelado de Joana. Ela agora era quente. Era mulher. O calor subia, subia, subia. Ela queria gritar de prazer. Segurava o cabelo e mordia os lábios. Queria gritar. Queria mostrar para o mundo como era bom ser mulher.
Seguiu radiante até a geladeira. Mais calma, mas quente. Queria água para acabar de purificar aquele corpo velho. Queria que um novo íntimo surgisse. O líquido, cristalino fluído, deveria a percorrer por dentro e limpar. Era só o começo. A cabeça fervilhava em planos. Joana continuava velha, mas queria um novo âmago já que agora estava fertilizada. Abriu a geladeira e ao mesmo tempo em que segurou na porta do eletrodoméstico algo gelado entrou vagarosamente em suas costelas. Ele sentiu uma dor fina. Parecia não estar mais se renovando. Algo jorrava para fora dela, algo só dela. Sentiu novamente a dor, e mais uma vez, e mais uma vez, até que parecia estar toda se esvaindo. Tudo saia e ela não tinha mais controle. Algo estava errado, ela tinha certeza que não estava se renovando. Juntou todas as suas forças e conseguiu, depois de muito esforço, enxergar Lívia sorrindo atrás dela segurando firmemente uma enorme faca ensanguentada na mão. Tentou ficar de pé, mas sem sangue ela não era nada. Seu sangue jorrava, jorrava, jorrava. Lívia gargalhava. Enxergou um mar vermelho vivo. Era bem convidativo. A água brilhava e parecia ferver. Era um imenso concentrado de vida renovadamente selvagem. Resplandecia. Joana fechou os olhos e mergulhou no mar. Nunca mais voltou a superfície. 

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6 comentários:

Unknown disse...

Mais um belo texto, e uma incrível história, essa superou todas, sente até medo, mais faz parte, quando a leitura é boa você entrar na história sem perceber e acaba sentindo tudo que os personagens sentem, meu querido amigo, fico feliz pelo o seu progresso como escritor, vejo que a cada dia os seus textos se modificam, claro sempre pra melhor.

Dalvan Linhares disse...

Muito obrigado, Edimara!

Vanessa disse...

Olá.
Amei seu texto.
Dá uma super vontade de continuar. Parece que está escrevendo um livro de romance.
Parabéns pelo talento.
beijos.

meumundosecreto

Dalvan Linhares disse...

Vanessa Ferreira, muito obrigado pelas palavras.

Unknown disse...

Belo suspenso, esse olhar introspectivo é bem convidativo. :) João Victor

Dalvan Linhares disse...

Muito obrigado, João Vitor! Que bom que gostou!

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